O Juiz pode determinar à autoridade policial que modifique o teor do relatório final do Inquérito Policial?
Na última segunda-feira, dia 14 de novembro de 2016, o Juiz Sérgio Moro, responsável pelas ações da Operação Lava-Jato, determinou que a Polícia Federal (PF) retire conclusões sem base fática de um relatório no qual afirma que a família do pecuarista José Carlos Bumlai detinha influência política na administração pública, enquanto o PT estava no poder, e no Supremo Tribunal Federal (STF), na pessoa do ministro Dias Toffoli. Segundo o juiz, o documento contém afirmação leviana e as análises policiais devem se resumir aos fatos constatados. (Portal G1);
Em que pese o entendimento do Ilustre Magistrado, é sabido que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário possuem atribuições próprias, que são aquelas específicas e determinadas a cada esfera de poder, a quem cabe exercê-las com exclusividade, em conformidade com o princípio da separação dos poderes. Não obstante a Polícia Federal seja a polícia judiciária da União, ela pertence ao Poder Executivo.
Sabe-se ainda que o Brasil adotou como sistema processual penal, o Sistema Acusatório, o qual as funções de acusação, defesa e julgamento estão bem delimitadas (Actum Trium Personarum). Com base neste sistema, o juiz deve manter afastamento dos fatos que irá apreciar (princípio da imparcialidade). Em que pese o nosso ordenamento jurídico possuir a previsão legal do Inquérito Policial, isso, por si só, não torna nosso sistema misto, haja vista que o Inquérito Policial é um procedimento administrativo que existe em momento pré-processual e não na fase processual.
Incumbe a autoridade policial com exclusividade a lavratura do relatório final do Inquérito policial, conforme se insurge no parágrafo 1º, do artigo 10 do CPP:
Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
§ 1o A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente.
A Lei 12.830/13 ainda prevê que o delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais, tendo, assim, liberdade em sua atuação.
O entendimento jurídico da Autoridade Policial não pode ser suprimido por determinação judicial ou ministerial. O cargo de delegado de polícia também é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.
Além do mais, o relatório policial não vincula a denúncia do Ministério Público, muito menos a sentença condenatória do Poder Judiciário, tendo as demais instituições a mesma liberdade de agir.
Por todo exposto, no atual ordenamento jurídico brasileiro, considerando a imparcialidade esperada na atuação do Poder Judiciário e em especial o principio constitucional da separação dos poderes, não nos parece concebível, que o Poder Judiciário interfira diretamente na atuação legal da Polícia Federal, instituição esta pertencente ao Poder Executivo, determinando-a que modifique o teor do relatório final do IP. A Autoridade Policial possui exclusividade na lavratura da peça e discricionariedade no seu conteúdo, mediante a análise técnico-jurídica do fato, embasadas nas investigações por ela realizadas.
11 Comentários
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smj a determinação do N. Magistrado atenta contra o princípio-reitor constitucional da separação dos poderes da República. continuar lendo
Há muito esse juiz não sabe o que é limite, ganhou carta branca, faz o que quer, é Deus!! continuar lendo
Perfeito Marcos, parabéns pelo excelente texto e coerência das ideias. continuar lendo
Embora as polícias civis e federal pertençam diretamente (órgão público) ao Poder Executivo, a sua função é de polícia judiciária; assim no exercício de suas funções atendem ao Judiciário; tanto que a correição regular de inquéritos (um tipo de auditoria) é feita pelos tribunais judiciais correspondentes à sua circunscrição.
Compete à estas polícias cumprir mandados judiciais e cotas ministeriais (MP); entretanto não se pode inferir desta aparente subordinação, na verdade uma integração de competências, que a lavratura dos inquéritos policiais está sujeita ao escrutínio de forma e conteúdo pelos órgãos ao qual legalmente se subordina. As correições regulares ou ocorridas na apreciação do inquérito estão restritas ao mérito de legalidade dos atos praticados e desvio de finalidade.
A percepção do policial sobre os fatos apurados, mesmo que errada, não estão sujeitas a uma correção por instância superior, até porque o promotor e o juiz fazem seu próprio entendimento do processo, se o juiz não concorda com algo, ou a pedido do promotor, basta descartá-lo justificadamente.
Era comum no passado o delegado não indiciar o suspeito e o MP baixar cota determinando o indiciamento, hoje, mais sabiamente, o MP simplesmente denuncia independente de ter ou não ocorrido indiciamento. Trata-se de uma postura mais apropriada respeitando cada um o trabalho do outro, independente da maior ou menor importância que aparentemente cada um possa ter.
Poder ou não ordenar a alteração do relatório no inquérito policial, não é uma questão de separação entre os poderes, mas de legalidade e competência. continuar lendo
Sua Exa. o juiz Sergio Moro sempre inovando...agora metendo o bedelho onde não é chamado... continuar lendo